Camille não tinha irmãos e perdera os pais e os avós, aos 17 anos, em um incêndio ocorrido, justamente, na casa para a qual ela estava se encaminhando. No dia do acidente, a adolescente e a tia estavam na capital do estado, fazendo a matrícula no curso de Letras e Artes. Camille fora aprovada, com louvor, em um exame para ingressar na mais conceituada universidade da região. Um curto-circuito na instalação elétrica antiga e carente de reparos provocou a tragédia. Os donos da chácara gozavam de uma situação financeira confortável, mas priorizaram outras benfeitorias e negligenciaram o item segurança.
Ao retornarem da viagem, tia e sobrinha se depararam com o terrível cenário: a casa parcialmente destruída, quatro corpos envoltos em sacos plásticos pretos e bombeiros (chamados pelo único vizinho) apagando os últimos focos de fogo. Foi traumatizante e desesperador. Ambas desmaiaram e foram socorridas por dois profissionais da área médica que se encontravam em uma ambulância também solicitada para a remoção dos cadáveres e dos possíveis sobreviventes.
Uma semana depois do sepultamento de seus familiares, Tia Helena e Camille resolveram reagir e reparar os danos materiais. Em três semanas tudo ficou em ordem e, agora, o triste cenário fazia parte apenas de suas lembranças.
Com o início do período letivo, a adolescente foi morar, próximo à universidade, na casa de sua madrinha enquanto Tia Helena permaneceu na chácara, sozinha. Não queria companhia de estranhos e fazia questão de fazer todo o serviço doméstico. Devido à idade, abriu apenas uma exceção e, a cada quinze dias, uma das empregadas do vizinho fazia a limpeza pesada.
Quando atingiu a maioridade, a universitária mudou-se para o apartamento que herdara dos pais. A partir daí, conquistou a independência. Tomou posse da poupança, aberta em seu nome, desde que nascera, e investiu em um ateliê. Sua criatividade e habilidade eram impressionantes. Talhava peças de rara beleza que logo eram comercializadas. Seu namorado, um lojista bem-sucedido, se encarregava de divulgar e vender o seu trabalho. O dia da formatura chegou. Tia Helena ficou radiante. Em breve, estariam juntas novamente. Para sua decepção, a sobrinha revelou sua mudança de planos. Então, depois da solenidade, ela retornou para o seu “cantinho”, como ela costumava chamar a antiga casa de seus antepassados.
Finalmente, Camilla avista a sua casinha. O sol já começava a se pôr. Os últimos raios davam um aspecto triste à paisagem. Aos poucos, tudo ao seu redor ia perdendo o brilho. Quanto mais se aproximava, mais angustiada a jovem ficava, parecia estar adivinhando que algo de muito grave ocorrera. Mas o quê?
Finalmente chegou. Abriu a porteira de acesso. Entrou e estacionou. Estranhou as luzes apagadas. Elas já deveriam estar acesas, pois escurecia. A porta principal estava encostada. Deu alguns passos e acendeu as luzes. De repente, escutou gemidos vindos do quarto. Apressou-se. Ligou o interruptor e o que viu a fez gelar. Gavetas reviradas e sua amada tia estendida no chão com um grande corte no braço e hematomas no rosto e nas pernas. Ao seu lado, um pedaço de madeira. Camilla, visivelmente aflita, correu em seu socorro. Fez com que falasse e descobriu que a mesma fora vítima de assaltantes. Estes além de levarem o que encontraram de valor, ainda, lhe bateram. Ao cair, após ser violentamente empurrada por um deles, quebrara uma das pernas e a dor a imobilizara. Sentia fome e sede, mas não tivera forças para arrastar-se até a cozinha. Há horas não se alimentava e nem bebia. Felizmente, estava viva. Sua sobrinha – tal qual um anjo protetor –, com a ajuda do vizinho – que não se dera conta do assalto -, imobilizou a sua perna e a colocou no automóvel. Foram até a cidade mais próxima e lá receberam o atendimento necessário.
Na volta para casa, a sobrinha conseguiu, enfim, convencê-la a morarem juntas na capital. Tia Helena conscientizou-se, depois desta experiência, de que não poderia ter paz e tranquilidade morando naquele lugar. Os bandidos poderiam voltar.
Camille vendeu a propriedade para o vizinho – que pretendia investir na segurança –, comprou uma casa em um condomínio horizontal e alugou o seu apartamento. Daquela data em diante, iniciaram uma nova etapa de suas vidas. Farão companhia uma para outra até o fim de seus dias.
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